terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo

Uma OBRA-PRIMA sobre o "Internacionalismo Monetário".

A sua actualidade é tão evidente e flagrante… que é apenas necessário mudar alguns nomes.

NB:
O título foi retirado de um comentário publicado na 2ª parte do vídeo.


FMI
José Mário Branco





Queixa das almas jovens censuradas
José Mário Branco
poema de Natália Correia


Dão-nos um lírio e um canivete

 E uma alma para ir à escola

 Mais um letreiro que promete

 Raízes, hastes e corola

 

Dão-nos um mapa imaginário

 Que tem a forma de uma cidade

 Mais um relógio e um calendário

 Onde não vem a nossa idade

 

Dão-nos a honra de manequim

 Para dar corda à nossa ausência.

 Dão-nos um prémio de ser assim

 Sem pecado e sem inocência

 

Dão-nos um barco e um chapéu

 Para tirarmos o retrato

 Dão-nos bilhetes para o céu

 Levado à cena num teatro

 

Penteiam-nos os crânios ermos

 Com as cabeleiras das avós

 Para jamais nos parecermos

 Connosco quando estamos sós

 

Dão-nos um bolo que é a história

 Da nossa história sem enredo

 E não nos soa na memória

 Outra palavra para o medo

 

Temos fantasmas tão educados

 Que adormecemos no seu ombro

 Somos vazios despovoados

 De personagens de assombro

 

Dão-nos a capa do evangelho

 E um pacote de tabaco

 Dão-nos um pente e um espelho

 Pra pentearmos um macaco

 

Dão-nos um cravo preso à cabeça

 E uma cabeça presa à cintura

 Para que o corpo não pareça

 A forma da alma que o procura

 

Dão-nos um esquife feito de ferro

 Com embutidos de diamante

 Para organizar já o enterro

 Do nosso corpo mais adiante

 

Dão-nos um nome e um jornal

 Um avião e um violino

 Mas não nos dão o animal

 Que espeta os cornos no destino

 

Dão-nos marujos de papelão

 Com carimbo no passaporte

 Por isso a nossa dimensão

 Não é a vida, nem é a morte





nota final:
Faltas-nos… Natália!

Memória de Elefante I


A. C. Castel Branco Borges (vulgo António Borges) e L. M. Pizarro Beleza (vulgo Miguel Beleza).  Inflação em Portugal.  Medidas Governamentais, Expresso, 10 Março 1973.

As citações a azul foram cortadas pela censura, como se pode confirmar pela imagem.

fonte:
CASTANHEIRA, José Pedro. O Que a Censura Cortou. Expresso,  2ª edição, Lisboa, 2013.

 

 

[…] “em 1972 Portugal terá sido o País da Europa Ocidental onde foi maior a elevação do custo de vida. Não admira, pois, que se multipliquem os sinais de mal estar e alerta da opinião pública, nem que o Governo procure novas medidas de combate à alta dos preços.”

 

[…] “Não parece difícil aceitar que o Governo dispõe de meios capazes de assegurar uma política de condicionamento salarial: a legislação do trabalho, em particular no que respeita à contratação colectiva, confere ao Governo poderes mais do que suficientes; outros problemas mais graves se põem, quanto a esta medida: em primeiro lugar é de manifesta injustiça impor uma limitação de rendimentos apenas à classe social economicamente menos favorecida. Isto é, uma medida deste tipo teria que estar integrada numa política geral de rendimentos, que condicionasse igualmente a evolução dos rendimentos do capital. Tal política não parece estar nas intenções dos governantes.”

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Corrupção e Urbanismo: as preocupações da TIAC




Documento de trabalho apresentado pela TIAC à representação do FMI em Portugal, durante a reunião realizada em 2 de Março de 2012, em Lisboa.
É um documento sintético, claro e verdadeiro, exemplo edificante para os nossos governantes ... e para a troika.
 

Se é assim em tempo de crise


É Hora de Acordar






Os Deputados da Nação


          Ciclicamente, as sondagens encarregam-se de nos lembrar que não há, em Portugal, actividade sócio-profissional mais desacreditada e desprestigiada do que a de deputado. Mas não há verdade que se estabeleça por sondagem e esta verdade popular é, em grande medida, injusta. O que se passa é que, como em todas as outras actividades, há bons e maus deputados, excelentes e péssimos. Mas, tratando-se de uma actividade exposta ao permanente escrutínio público, é fatal que os maus exemplos determinem a imagem global: pagam os justos pelos pecadores. Há deputados, nomeadamente, os que trabalham nas comissões, que trabalham muito e bem, que se preocupam com a feitura das leis, com o acompanhamento da actividade do governo e com o bem público. Até há deputados – mas aqui concedo que raríssimos – para quem a independência e a verdade estão acima de quaisquer interesses partidários. E há deputados, outros, que são capazes de jamais integrar uma comissão, jamais participarem na redacção de um projecto de lei, jamais abrirem a boca em toda uma sessão legislativa - e, certamente, com vantagens para todos.

          Precisávamos de menos deputados, melhores deputados e mais bem pagos. É sabido, porém, que a demagogia de há muito assente nesta matéria determinou que os políticos portugueses devem ser mal pagos, porque o “povo” não aceitaria outra coisa, por muito que lhe expliquem que a democracia não tem de ser o governo dos piores ou dos sacrificados pelo bem comum. Sendo mal pagos, os deputados lançam mão do expediente habitual noutros lados: tentar ganhar paralelamente – em viagens, ajudas de custo, subsídios vários, reformas especiais, indemnizações por cessação de funções – aquilo que não ganham como vencimento. E tratam, grande parte deles, de arranjar maneira de conciliar outras actividades remuneradas com o seu estatuto de deputados, fazendo do exercício desta função de soberania um part-time profissional. A maneira como isso se consegue é através de um generoso regime de incompatibilidades, que permite fazer quase tudo em acumulação com o assento parlamentar, e através do mecanismo das substituições, que lhes permite, quando isso lhes interessa a eles ou ao partido, dizer “vou ali e já venho, guardem-me o lugar”.

          Esta semana (1), a Assembleia da República começou a discutir duas reformas visando moralizar um pouco estes costumes. Como o PS era proponente de uma delas e apoiante da outra e tem maioria absoluta, ambas obtiveram aprovação genérica. Mas a divisão estabelecida entre os partidos, naquilo que deveria ser uma matéria consensual de autodefesa colectiva da imagem dos deputados, não augura longa nem feliz vida às alterações agora propostas.

          Num caso, propunha-se que ao extraordinário parlamento regional da Madeira – cujo ratio eleitores/deputados é para aí sete vezes superior ao do continente e três vezes ao dos Açores – se apliquem as mesmas regras de incompatibilidades que se aplicam nos Açores e no continente. E isto, depois de o próprio parlamento da Madeira se recusar a fazê-lo, mantendo em vigor uma excepção estatutária ao abrigo da qual se vive lá em total promiscuidade de interesses, com deputados votando no parlamento sobre negócios em que são parte interessada na vida civil. Contra esta proposta do Bloco de Esquerda estão o PP e, obviamente, o PSD nacional, o qual nunca conseguiu nem conseguirá ultrapassar esta constrangente incoerência de defender aqui o oposto do que pratica lá. E a liderar o oposição do PSD está o seu líder parlamentar, o madeirense Guilherme Silva, verdadeiro deputado-modelo do sistema que se pretende restringir: é líder da bancada parlamentar da oposição no parlamento de Lisboa e, simultaneamente, advogado oficial do governo regional da Madeira em todas as suas disputas judiciais, incluindo as acções que regularmente instaura contra os jornalistas cujas opiniões não aprecia. Imagine-se a independência com que o deputado Guilherme Silva vota em questões que impliquem a Madeira!

          No outro caso, propôs o PS, com a oposição de todos, que se restrinja o sistema de substituições temporárias dos deputados às situações de doença prolongada, licença de maternidade e paternidade e defesa em processo-crime onde o deputado seja arguido. Terminaria assim o degradante sistema do “rodízio de deputados”, em que cada qual pode sair e voltar a tempo de não perder de vez o mandato e sempre que lhe convém ou que convém ao partido. Um sistema que conduz a situações absurdas. Tais como a de poder haver, em determinado momento, mais deputados substitutos em funções (que ninguém sabe quem são) do que aqueles que foram directamente eleitos. Temos assim deputados que estão ausentes uma temporada para exercerem funções autárquicas para que também foram eleitos, outros que estão conjunturalmente a gerir empresas, até públicas, de cuja administração fazem parte, outros que estão episodicamente a advogar contra o mesmo Estado que lhes paga e que representam enquanto deputados; outros no Brasil a dar aulas; outros a fazerem mestrados; e outros que simplesmente “andam por aí”. Quando lhes dá jeito, metem licença; quando não têm nada de melhor para fazer, regressam.

          Pois este estado de coisas tão edificante é defendido com unhas e dentes por todos os pequenos partidos, independentemente da sua ideologia: PP, PCP, “Os Verdes”, Bloco de Esquerda. Por uma razão simples: porque, tendo escassos lugares para distribuir pelos seus, socorrem-se do “rodízio parlamentar” para manterem mobilizadas as “segundas linhas”. E nisto convergem os interesses do partido com os dos substituídos. Onde fica, então, o sentido de voto do eleitor? Em lado nenhum, é o que menos interessa (“votaste em nós por causa do António? Paciência, agora levas com a Ana Rita, que te lixas!”).

          De entre todas as judiciosas e rebuscadas explicações para defender a manutenção deste logro eleitoral, a melhor das que li veio do deputado do PCP, António Filipe. Diz ele que se trata de uma “falsa questão” e que “as listas são partidárias, não pessoais, hoje as pessoas votam sobretudo num projecto”. Seguindo ao limite a lógica desta tese, segundo a qual o mandato pertence em exclusivo ao partido e o deputado é absolutamente indiferente, estando ali apenas a representar o “projecto”, a verdade inteira é que as pessoas votam apenas para escolher um governo ou até o primeiro-ministro. Assim sendo, bastaria garantir um número mínimo de deputados que assegurasse uma maioria de governo e a representação da oposição. Digamos, qualquer coisa como 15 ou 20 deputados chegaria.

          E o mais interessante é que, se esta tese fosse a votos, ganhava: o país diria aos deputados que 15 ou 20 deles já seriam suficientes. Estuda-se na aerodinâmica: é o chamado “efeito boomerang”.

 

Miguel Sousa Tavares
“Expresso”, 20 de Maio de 2006,
inA história não acaba assim, Escritos políticos 2005-2012”, Clube do Autor, Lisboa, 2012.

 


(1)
Semana de 15 a 19.05.2006

sábado, 22 de dezembro de 2012

Donos de Portugal


“Donos de Portugal é um documentário de Jorge Costa sobre cem anos de poder económico. O filme retrata a proteção do Estado às famílias que dominaram a economia do país, as suas estratégias de conservação de poder e acumulação de riqueza.

Mello, Champalimaud, Espírito Santo – as fortunas cruzam-se pelo casamento e integram-se na finança. Ameaçado pelo fim da ditadura, o seu poder reconstitui-se sob a democracia, a partir das privatizações e da promiscuidade com o poder político. Novos grupos económicos – Amorim, Sonae, Jerónimo Martins - afirmam-se sobre a mesma base.

No momento em que a crise desvenda todos os limites do modelo de desenvolvimento económico português, este filme apresenta os protagonistas e as grandes opções que nos trouxeram até aqui.

Produzido para a RTP 2 no âmbito do Instituto de História Contemporânea, o filme tem montagem de Edgar Feldman e locução de Fernando Alves.

A estreia televisiva teve lugar na RTP2 a 25 de Abril de 2012 (1). Desde esse momento, o documentário está disponível na íntegra em donosdeportugal.net.

Donos de Portugal é baseado no livro homónimo de Jorge Costa, Cecília Honório, Luís Fazenda, Francisco Louçã e Fernando Rosas, editado em 2011 pela Afrontamento e com mais de 12 mil exemplares vendidos.”

 
Fonte:

 

 
(1)

A desoras, não fosse nascer nas classes média (será que ainda existe?) e baixa o capricho de ver o programa!

Depois de assistirmos ao filme ficamos a “entender” o receio do poder, nesta época de crise, em tocar nos ricos! Nojo!

 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

doc RD006



Relação de aposentados a partir de 1 de outubro de 2012
 

doc PPC013




“… É possível fazer diferente e fazer melhor e oferecer ao País um modelo de desenvolvimento económico e social coerente e eficaz. Um modelo que parte da compreensão adequada da situação que vivemos e que aponta soluções capazes de assegurar aos cidadãos, sobretudo àqueles que mais fustigados têm sido pela crise, um nível de vida consentâneo com as suas necessidades …”

“… No domínio económico e financeiro, o modelo de governação do PSD, que este programa traduz, apresenta como preocupações centrais o equilíbrio sustentado das contas públicas…”

“… As nossas propostas visam a realização de um objectivo central: preservar o Estado Social, que tem sido objecto nos últimos anos de um ataque e um desmantelamento de enormes proporções…”


“… O Governo, entre 2005 e 2008, realizou apenas uma redução contabilística do défice público, graças ao recurso à desorçamentação, às receitas extraordinárias e ao aumento dos impostos…”


“… Em relação ao aumento das receitas fiscais, o esforço será feito sem aumento de impostos …”


Estes princípios estão enunciados no documento “Recuperar a credibilidade e desenvolver Portugal,  Programa Eleitoral do Partido Social Democrata, Eleições Legislativas 2011”, onde também se afirma que  “..  desenganem-se aqueles que queiram ver neste documento um instrumento de populismo, uma cedência à demagogia ou uma listagem de promessas fáceis…”

 

Para confirmar que tudo isto (e muito mais) é, efetivamente “um instrumento de populismo, uma cedência à demagogia”  e  “uma listagem de promessas fáceis”, descarregue o documento aqui

 

doc SOC006

 


QUEIROZ, Artur. "As Bestas Quadradas", A Voz da Póvoa,  nº 1584, Ano XXXI, Póvoa de Varzim, 3 outubro 2012.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

doc PP001

Carta de Paulo Portas aos militantes do CDS, por altura do 38º aniversário do partido.



Caros Militantes,


O CDS celebrou domingo nos Açores o 38º aniversário. É com orgulho que podemos falar do percurso feito. O meu primeiro dever é saudar os fundadores do Partido e agradecer a confiança que tenho sentido dos militantes e dos eleitores.

Em 2011, celebrámos o aniversário na Madeira, em vésperas de uma campanha regional que levou o CDS ao seu melhor resultado de sempre e o presidente regional à liderança da oposição. Este ano, escolhemos os Açores, como sinal de apoio ao CDS açoreano e ao seu presidente.

Estou empenhado em, mais uma vez, ajudar o Partido nas eleições regionais do próximo Outono. Há um sentimento de mudança nos Açores, mas só uma votação forte no CDS garante a mudança certa.

Neste último ano, o CDS cresceu significativamente em número de militantes, reforçou a sua organização concelhia e distrital, prosseguiu a formação política e lançou a coordenação autárquica. Peço aos militantes e às estruturas que se empenhem fortemente nas eleições locais de 2013, apostando na qualidade dos candidatos e numa significativa renovação do poder local.

O aniversário do Partido é uma boa oportunidade para refletir sobre a situação de Portugal e a nossa missão no Governo. Como é sabido, o CDS foi chamado a exercer responsabilidades executivas estando o país confrontado com uma das mais graves crises da sua história. O CDS decidiu fazer parte do Governo por patriotismo. Não é sequer imaginável o dano que Portugal sofreria se não existisse, neste preciso momento, um Governo sólido, um Governo estável e um Governo de maioria.

Damos mais valor à estabilidade quando não a temos. A verdade é que a estabilidade política, em Portugal, passa muito pelo CDS. O testemunho que devo dar é que, no trabalho em coligação, existe essa consciência comum de que Portugal e a sua circunstância excepcional são o primeiro valor e o valor mais alto. Isso une a maioria e não anula o facto de os dois Partidos serem, naturalmente, diferentes e autónomos.

Do ponto de vista do cálculo puramente partidário, os anos que Portugal atravessa e atravessará a reduzir o défice e a dívida não são os tempos mais convidativos para ser Governo. Porém, são precisamente estes os anos em que é preciso mostrar envergadura, determinação e solvência no Governo. É isto que pretendo que o CDS demonstre. Creio que o temos feito, tendo por referência o Programa do Governo que negociámos com rigor e subscrevemos sem estados de alma.

Uma coligação é sempre um compromisso. Passou o primeiro ano. O nosso mandato não é um sprint, é uma maratona. Mas é bom ir prestando contas. Os militantes do CDS devem saber que, apesar das circunstâncias dificílimas de Portugal, foi possível fazer avançar muitas ideias e compromissos que estabelecemos na campanha eleitoral, ela própria marcada pelo realismo a que obrigava um país que acabara de negociar um pedido de assistência externa.

Sem ser exaustivo, gostaria de destacar alguns pontos. Na área social, a valorização das pensões mínimas, sociais e rurais, a concertação sistemática com as IPSS e a separação do trigo do joio no “rendimento mínimo”. Na área da agricultura, a garantia do investimento no PRODER e a superação da crise gravíssima do parcelário agrícola, que poria em risco o apoio europeu ao mundo rural português. Na área da saúde, a generalização da prescrição por principio ativo, o alargamento dos genéricos e a aprovação de leis humanistas importantes sobre cuidados paliativos e testamento vital. Na área da educação, o avanço nos exames nacionais, um estatuto do aluno mais disciplinador e responsabilizador e os acordos com os parceiros sociais em temas sensíveis como a avaliação e a carreira docente. Na área da segurança e da justiça, está finalmente aberto o caminho para os julgamentos rápidos dos crimes cometidos em flagrante delito, e para o uso mais efetivo da vídeo-vigilância em zonas problemáticas. Na área da Administração Pública, realço a suspensão de novas PPP e a redução drástica nos cargos dirigentes do Estado.

Quanto às reformas que permitem tornar Portugal bem mais competitivo, merecem destaque as leis de trabalho mais amigas do investimento, as leis de concorrência mais amigas do consumidor e ainda as leis de arrendamento mais amigas da mobilidade social, laboral e geográfica dos jovens. Muitas destas ideias, e haveria mais, fizeram o seu caminho. Outras se seguirão no espaço da legislatura. É legítimo e expectável que os dois Partidos, na medida das possibilidades do país, vão aplicando os seus compromissos.

Minhas Amigas, meus Amigos,

O ponto de partida deste Governo foi, como referi, uma circunstância excepcional: Portugal recorreu à ajuda externa porque estava a poucas semanas de não poder pagar salários nem pensões, e na iminência de uma ruptura no sistema financeiro que arrastaria consigo toda a economia. Não foi o atual Governo que conduziu Portugal ao resgate; mas é a política deste Governo que pode e deve levar Portugal a recuperar uma capacidade de financiamento autónoma e, portanto, a nossa liberdade enquanto país. Por isso, sempre digo que a avaliação que, no final, se fará, é a de saber se conseguimos – conseguiremos, estou certo - superar o período de assistência financeira, reformar estruturalmente a economia portuguesa e contribuir para libertar as novas gerações desse mau hábito e erro terrível que é governar gastando o que não temos, e endividando quem ainda não nasceu.

Há um ano, a reputação internacional de Portugal era sistematicamente comparada à da Grécia. Um ano depois, essa identificação praticamente desapareceu. A diferenciação do caso português é nítida e objectiva. Houve uma significativa melhoria de percepção externa sobre Portugal. Negá-lo é, em certo sentido, dar pouco valor a sacrifícios e privações que tem muito valor: o esforço que cada português está a fazer, dando o seu contributo para superar esta situação de dependência externa extrema.
O rumo de Portugal tornou-se claro e é percebido pelos nossos parceiros internacionais. O facto de Portugal honrar a sua palavra, cumprir os seus compromissos e dar importância à questão da credibilidade, diferencia a atitude do nosso país e dos nossos compatriotas.

É um dever de honestidade explicar que a margem de manobra ainda é estreita. Se os portugueses tivessem escolhido a via do “não cumprimos” ou do “não pagamos”, pura e simplesmente Portugal não seria hoje financeiramente viável. Nenhum dos defensores dessa tese explicou alguma vez como se viveria em Portugal com essa aventura. A opção dos Portugueses foi outra e é lúcida, trilhando o único caminho que pode tornar Portugal economicamente viável. Mas o sucesso não depende só de nós. Depende, também, do que acontece nos outros países europeus, em especial na zona euro.

Esta é uma das condicionantes mais difíceis deste mandato. Não há alternativa consistente ao cumprimento do memorando, mas o factor externo, que nós não controlamos, pode prejudicar o nosso esforço e afectar o resultado. Por isso, o CDS deve saber afirmar algumas evidências. Desde logo, a margem de manobra de Portugal, para ajudar ao sucesso do programa, chama-se credibilidade. Os que estão sempre prontos a dizer que o esforço já acabou, enganam-se e enganam os outros. Por outro lado, Portugal deve focar-se em ser eficiente no que depende de si próprio. Obviamente, não temos nada a ganhar com crises nos outros países do euro.

O debate europeu é, aliás, inevitável porque a crise também revelou as debilidades da Europa. A superação dessa crise não se fará sem reverter essas debilidades. Uma União Monetária sem verdadeira União Económica não é sustentável. Uma e outra sem integração política deixam a Europa à mercê de uma crise que é simultaneamente de confiança interna e credibilidade externa. Nunca como hoje foi tão necessário ter uma governação política da Europa, capaz de relançar o projeto europeu, defender o euro com vigor e afirmar perante o mundo que a Europa não é um continente em declínio.

Quanto maior fôr a incerteza externa, maior deve ser a nossa coesão interna. Quanto mais preocupantes pareçam as notícias da frente externa, mais solidez devemos revelar na frente interna. Por essa razão, tenho defendido e continuarei a defender o diálogo privilegiado com o maior partido da oposição e a procura sistemática do consenso com os parceiros sociais. Por essa razão também, tenho apelado – e volto a fazê-lo – a que o Partido Socialista pondere melhor a tentação de fazer oposição a qualquer preço, não tanto ao governo mas, ironicamente, à “troika” – triunvirato, diria eu – que entrou em Portugal pela sua mão, e ao memorando, que foi assinado por sua responsabilidade. No momento em que se agrava a pressão sobre países como a Espanha ou a Grécia, os partidos do “arco da governabilidade” em Portugal deviam, mais do que nunca, agir com a maior prudência e responsabilidade.

Um caminho como o que Portugal está a fazer é tudo menos isento de dificuldades. O recente acórdão do Tribunal Constitucional coloca, objectivamente, um problema suplementar que, a meu ver, o país dispensava. O problema não é apenas o de encontrar as medidas substitutivas que garantam que o Estado cumpre os seus compromissos externos com o défice; o desafio é também fazê-lo com justiça, respeitando o que o Tribunal diz e tendo presente, em termos de ponderação e proporcionalidade das soluções, as diferenças que efetivamente existem entre sector público e sector privado, nomeadamente em termos de salário médio e estabilidade no emprego.

Caras Amigas, caros Amigos,

O essencial é, como sempre afirmámos, criar todas as condições políticas e económicas para que a recessão, desde há muito prevista para 2012, dê lugar, em 2013, a uma viragem que signifique o inicio do crescimento económico, sem o qual não há criação de emprego. Esse é o trabalho de fundo que visa tornar Portugal um país atrativo para o investimento, nacional e estrangeiro, principalmente do sector privado; e que ajuda a melhorar ainda mais as exportações e a internacionalização das nossas empresas. Esse é o Portugal de futuro, empreendedor, inovador e dinâmico que deverá poder mostrar todo o seu potencial no pós-crise e já nos está ajudar – e muito – nestes tempos difíceis.

O CDS deve saber antecipar, politicamente, esse futuro. É tão importante cumprir os termos do nosso compromisso externo, como pensar e preparar um Portugal diferente daquele que conhecemos. Há um dia seguinte à crise. Há um ciclo pós-assistência externa. Há um país para além da transitória restrição de soberania a que tenho chamado “protetorado”. Quero o CDS a refletir sobre esse Portugal que vale a pena. Penso, aliás, que o próximo Congresso do partido deve centrar-se nesse tema e mostrar um CDS marcadamente reformador e decisivo nessa transformação. E quero dizê-lo precisamente agora, quando a recessão ainda é dura e o desemprego está muito alto. É um sinal da minha esperança.

Minhas amigas, meus amigos,

Um dos aspectos mais importantes desse Portugal de futuro é a questão fiscal. O nível de impostos já atingiu o seu limite. Praticamente todas as  medidas fiscais tomadas não são, aliás, uma opção facultativa, antes resultam do cumprimento de obrigações do acordo externo. Com a mesma franqueza com que devemos explicar que, durante o período do memorando, não é possível baixar a carga fiscal, temos o dever de pugnar por uma política fiscal seletiva, competitiva e favorável à família, à empresa e ao trabalho, depois desse período. É exatamente essa a orientação da reforma fiscal que está inscrita no Programa do Governo.
Ora, isso só é possível com duas condições. A primeira é ter reduzido o défice, o que implica que controlar a despesa deve ser uma atitude normal e não excepcional. O rigor na despesa não pode ser algo que nos acontece apenas quando o dinheiro acaba; tem de ser um hábito de prudência nas contas públicas. A segunda é alargar a base tributária, de modo a que os que fogem ao fisco passem a pagar, não sendo penalizados sistematicamente os mesmos, aqueles que trabalham, pagam e não podem, nem querem, fugir aos impostos. A coragem com que o Governo tem combatido a evasão fiscal é enorme. É com essa mesma coragem que, depois de cumprido o memorando, o Governo deve também fazer a reforma fiscal.

É tempo de terminar. Quero agradecer a vossa confiança e contar com a vossa ajuda. O Partido sempre contou comigo e eu convosco.
Com estima,

Paulo Portas
Presidente do CDS



fonte:

o Ó


a. costa lindo 
“O Ó ou as Mãos Limpas”
Acrílico, Carvão e Grafite s/ tela
70X50
2010

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O dossiê


Ainda a manhã tinha os olhos colados com ramela quando João Murídeo, o rato, entrou, ladino e decidido.

O gabinete, amplo e luxuoso, cheirava a lavanda e Murídeo torceu o pontiagudo nariz às mordomias do presidente. Que porcalhão! pensou contrafeito. Cai-lhe bem o adjetivo, ao Presidente da ARCUJA, Associação Recreativa e Cultural do Jardim.

Trepou pela perna direita da secretária, a que ficava do lado de dentro, seja do lado da poltrona, como lhe tinha dito o Secretário das Forças da Ordem. Logrou entrar, sem grande esforço, pelo buraco da fechadura da gaveta inferior e procurou o dossiê do fundo, o que tinha a etiqueta “Luvas da toupeira marinha”.

Quando soube o nome do dossiê achou estranha a parte das luvas. Que se soubesse uma toupeira marinha era um navio que se desloca debaixo de água, construído em ferro. Ora, assim sendo, as luvas não vinham ao caso porque tal toupeira não tem mãos nem patas. Luvas para quê? Insondável matéria politiqueira.

Meteu-se por baixo das pastas e começou a puxar a última, a tal das luvas e conseguiu deslocá-la cerca de cinco centímetros. Complicava-se o caso porque a pasta era volumosa e pesada. Com grande esforço conseguiu arrastá-la um pouco mais e iniciou, sem demoras, a tarefa de roer.

A ordem que recebera do secretário era no sentido de roer todo o dossiê, que não ficasse uma ponta de papel intacta, tudo tinha que ser destruído como só os ratos o sabem fazer. O lixo que restasse da tarefa podia lá ficar, não havia problema, o presidente haveria de ficar danado com os ratos e, de imediato, ordenaria uma ampla desratização do palácio – se bem o conhecia. O que, do ponto de vista do secretário, de nada adiantaria porque a pedra no seu ministerial sapato estaria removida.

Murídeo, no entanto, tinha outros planos. A Rosinha Musaranha estava de esperanças e ele tinha que aprontar uma cama condigna para ela e para a ninhada. A roedura do dossiê vinha mesmo a calhar. Com uma cajadada matava dois coelhos. Porra! que estultícia pensar agora no seu primo de quem – não se pode dizer que admirasse – gostaria de ter herdado o corpanzil. A questão era saber se, com aquele mísero corpo, conseguiria transportar tanto papelinho desfeito para a toca. Confiava, no entanto, que conseguiria dar a volta ao caso. Não fosse ele um rato!

Bem, o importante agora era cumprir a tarefa de que fora incumbido e, depois, integrá-la no seu projeto de família. Roeu com mais afinco.

Ao fim de duas horas estava tudo ruído, sem ponta de papel legível. Olhou para a sua obra, radiante. Recostou-se na parede da gaveta e descansou um pouco. Estava sequioso, saiu e descobriu um copo com água pelo meio, abandonado numa ponta da secretária. Olhou para ele e a sede aumentou quando descobriu que era extremamente perigoso entrar no copo. Corria o perigo de não conseguir de lá sair.

Chegara, então, a parte sua da tarefa. Encheu as bochechas com pedacinhos de papel até não poder mais e iniciou o transporte para a toca. Ah! como a Rosinha iria ficar contente.

Quando os primeiros raios de sol entraram no gabinete estava Murídeo a transportar a última parcela de sumaúma. Colocou-a na parte da toca onde estava o restante e voltou ao gabinete. Na rua iniciava-se o corrupio dos funcionários e ele apressou-se, embora soubesse que era, ainda, muito cedo para o presidente. Contemplou a arena onde decorrera o combate e achou que estava tudo perfeito. Tivera o cuidado de deixar alguns pedacinhos de papel na gaveta e um indelével rasto que marcava o trajeto dentro do gabinete. Aí terminavam os indícios. Fora do gabinete não havia a menor ponta de papelada, para que não fosse descoberta a sua toca.

O secretário das forças da ordem ficou radiante com o trabalho, embora inicialmente tivesse colocado algumas reticências quanto ao aproveitamento da papelada. Queria que fosse inequívoco, para o presidente, que o dossiê desaparecera por roedura. No entanto, com as explicações de Murídeo, aquiesceu que, efetivamente, estava contente e feliz com o resultado.

Ao presidente ia-lhe dando um treco quando abriu a gaveta da secretária. Convocou a imprensa e a rádio para comunicar ao país que desaparecera do seu gabinete um dossiê de extrema importância, ruído por ratos. Comunicou, também, que iria ordenar uma completa desratização do palácio e que os responsáveis iriam ser severamente punidos. Em primeiro lugar os ratos, com a dita desratização, depois o pessoal da cozinha, por se desleixar com os restos de comida que atraiam ratos, a seguir o pessoal da limpeza, que não tomara atenção à existência de ratos no palácio. Com a própria esposa, a quem cabia a tarefa de trazer os serviçais obedientes e cumpridores, tataria em privado. No quarto de dormir.

O secretário riu-se com alarvia. Sempre queria ver os seus detratores continuarem a bater na tecla das luvas. Pegou na garrafa de uísque de malte, reserva, 50 anos, encheu o copo, colocou-lhe quatro pedras de gelo, agitou tudo e riu-se ainda mais alarvemente.

 

 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sophia



I


Perfeito é não quebrar
A imaginária linha

Exacta é a recusa
E puro é o nojo.




II

Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.



III
Poema


Cantaremos o desencontro:
O limiar e o limar perdidos

Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado

Novos ratos mostram a avidez antiga.




Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal)

Barros


João de Barros (Guiné-Bissau)

Macedo

Áfricas


Aqui das Hiroshimas e Nagazakis
          os suputniks
               se tornaram lento sunguilar
                  de fogo
as feras nas bocas das chamas
hoje são
           cordeirinhos
           devorando os explorados
           em beijos
           de terna combustão




Jorge Macedo (Angola)

Nogar

Da Última Ceia


Faltou Judas nessa noite agoirenta

Embora as iguarias e demais apóstolos
Sem os trinta dinheiros  e o beijo fatal
ninguém se atreveu a tocar no pão

Não se podia alimentar a lenda
sem as pupilas incandescentes
do tal judas o traidor

Judas bode expiatório
da sacrossanta impunidade
Judas
pólo de irrevogável inclemência
do ideário cristalizado

Judas será Judas
Quer ele queira que não
e a essência das coisas dogmatizadas
deve aspergir sobre o medo inteiro
dos que aprenderam a soletrar assim

E há depois também as conveniências
dos que pintam
dos que vendem
dos que sobretudo compram
últimas ceias pelo mundo fora

Ah Judas traiu mais uma vez
eis o que sobra na mesa posta
não haverá ceia por esta noite
e Cristo apesar de Cristo e milagreiro
passará fome como um simples mortal

Como um desses milhões de famintos
que dão de comer a quem não tem fome

E assim chagados
ámen para todos os pacientes

Porque nós dizendo não
alimentaremos a revolução


Rui Nogar  (Moçambique)
Machava 15.02.66

Sanches



Eleutério Sanches (Angola)

Breytenbach

Castelo de Areia…

castelo de areia
interminavelmente
atestar de palavras
o muro do silêncio


Tua Cabeça Ergue-se…


tua cabeça ergue-se no espaço
como se erguesse uma pesada pedra

cravam-se teus joelhos firmemente no chão
e é como se

                                           o teu buraco do cu
                                                                        andasse ao sol a espreitar

assim olho no olho
dente contra dente

céu e terra cintado cinturada




Breyten Breytenbach (África do Sul)

Malangatana


Malangatana Valente (Moçambique)

Pessoa


O Infante


Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.



Nevoeiro


Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!



Fernando Pessoa (Portugal)